Crítica do Filme “Maria Madalena”

O segundo filme do diretor Garth Davis, mais conhecido por Lion (indicado ao Oscar de melhor filme em 2016), não trata de um tema fácil, muito pelo contrário, Maria Madalena é um filme ousado. Baseado em um dos evangelhos apócrifos do novo testamento (evangelhos não aceitos na compilação original da bíblia), o filme tenta colocar a figura histórica de Maria Madalena em foco, e ajudar a desmentir a errônea imagem de que ela era nada mais do que uma promíscua prostituta que teve algum envolvimento com Jesus Cristo. Muitos acreditam que Madalena ocupava um papel similar ao de um décimo terceiro discípulo e que ela era a pessoa em quem Cristo mais confiava. Os próprios evangelhos canônicos do novo testamento (os que estão e sempre estiveram na bíblia) confirmam que Madalena foi a primeira pessoa a encontrar Cristo ressuscitado, mas o evangelho apócrifo vai além e diz que Cristo teria confiado palavras e ensinamentos somente a ela, que então confronta e tenta convencer aos outros discípulos sobre o verdadeiro significado do Reino de Deus.

Independente da interpretação, Maria Madalena é aceita universalmente como uma forte presença feminina na história de cristo e uma de suas mais devotas seguidoras, uma história que é naturalmente interessante de ser explorada no cinema. A indústria cinematográfica sempre foi o palco de inúmeras produções focadas em Jesus Cristo, no entanto, tende a pecar no volume de abordagens aos outros intrigantes personagens do cristianismo. Afinal, é muito difícil competir com a força de Jesus, em todos os sentidos, o personagem tende a logo atrair as atenções diretamente para ele, mas de um ponto de vista narrativo, colocá-lo mais ao fundo da história também pode ser bastante poderoso.

A solução que Maria Madalena encontrou foi, de certa forma, “humanizar” bastante a narrativa. O longa não é explicitamente bíblico como as típicas produções que tratam da história de Cristo – ele foge de todo aquele conceito de sagrado, sublime e até um tanto “mágico” que já é garantido quando falamos do novo testamento, e prefere focar nas pessoas e nas suas vidas. Jesus continua Jesus, o Deus entre os homens que toca e cativa a todos por onde ele passa, mas ele é apresentado de uma forma bem mais crua.

Essa humanização da história de Jesus causa sim certo estranhamento, porém, também é o grande trunfo e diferencial da produção de Garth Davis para com outros filmes do gênero. Desde a cena inicial, o clima que paira sobre a narrativa é o de um filme indie sobre pessoas normais em um tempo longíquo no oriente médio. Vemos a história pelos olhos de Maria Madalena, acompanhamos a dor e a dificuldade da sua vida cotidiana e não é difícil compartilhar o sentimento de redenção que ela sente ao encontrar, e se unir, a Jesus Cristo.

Outro ponto que ajuda nesse estranhamento geral que permeia a produção é a escolha dos protagonistas: Rooney Mara (que trabalhou com Davis em Lion) e Joaquín Phoenix, ambos bons atores e ambos escolhas questionáveis para os seus respectivos papéis. Phoenix, já pela aparência, é tudo que você, tipicamente, não espera de Jesus – baixinho, meio feio, meio normal. Falta no ator aquele toque de “grandeza”, serenidade e penitência, como o de Henry Cavill em A Paixão de Cristo (2004), por exemplo. Phoenix tem muita cara de filme indie, fator que também atrapalha um pouco a caracterização de Rooney Mara como Maria Madalena. Os dois convencem pouco como pessoas da época e do local, e os dois também sofrem um pouco de overacting ao longo do filme – As emoções, principalmente de Phoenix, em vários momentos são mais exageradas do que o necessário.  No entanto, enquanto eu assistia o filme, fui convencido de que essa estranheza também funciona a favor do que está tentando ser feito no longa, e algumas das sequências entre Madalena e Jesus são sim mais quietas e contidas e essas são as cenas mais bonitas de todo o filme.

Se realmente existe algo de sagrado nesse filme, isso é a sutil e poderosa trilha sonora original composta pelos islandeses Hildur Guðnadóttir e Jóhann Jóhannsson. Jóhannsson, falecido esse ano, compôs lindas trilhas para maioria dos filmes de Denis Villeneuve, como Sicario (2015) e A Chegada (2016), e ele vai fazer falta. Em diversas cenas de Maria Madalena, principalmente durante sermões ou discursos mais longos, a música sustenta e edifica atuações que, com certeza, não seriam tão memoráveis por si só. Composta por orquestrações simples, com elementos que se repetem constantemente e aumentando o tom aos poucos, a trilha consegue sequestrar o clima geral do momento e transformar a cena por completo. A existência da trilha ajuda bastante a vender a atuação de Joaquín Phoenix como Jesus, por exemplo. A música é simplesmente a melhor parte do filme, ela funciona com perfeição e emociona no processo.

Esse foi um filme feito para dividir o público e se você estiver disposto a entender e aceitar a ideia do diretor, e o trabalho dos atores, Maria Madalena  pode ser uma experiência muito interessante. O longa não é para todos, mas é, no mínimo, um filme ousado e diferente que não passa batido.

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